segunda-feira, 11 de julho de 2011

Entrevista: Professor José Cambraia - UFV


“A pesquisa no Brasil está evoluindo rapidamente graças às técnicas e equipamentos que estamos recebendo, mas acho que ainda estamos bem distante dos países desenvolvidos, o máximo que conseguimos é seguir os passos deles.”

José Cambraia, atua na Pós-Graduação, ministrando as disciplinas: Metabolismo Mineral de Plantas, Métodos Analíticos em Biologia e auxiliando nas disciplinas: Fisiologia Vegetal I e Laboratório em Fisiologia Vegetal I. É Coordenador de vários projetos de pesquisa financiados pela FAPEMIG e CNPq, consultor científico de vários periódicos nacionais e internacionais e consultor “ad hoc” do CNPq e da FAPDF. Atualmente, vem desenvolvendo pesquisas nas seguintes linhas: Aspectos bioquímicos e fisiológicos da toxicidade do alumínio, manganês e ferro em cultivares de sorgo, milho e arroz com tolerância diferencial ao alumínio; Biomonitoração e desintoxicação de ecossistemas poluídos com metais pesados, especialmente com cádmio; Aspectos bioquímicos e fisiológicos da toxicidade do cádmio e arsênio em espécies aquáticas; Respostas bioquímicas e fisiológicas de plantas cultivadas a estresse salino de curta e longa duração.

Por Everton de Castro Marques –  Estudante do Curso de Jornalismo da UFV

Everton - Quando e onde o senhor nasceu?
José Cambraia - Eu nasci em 16 de outubro de 1943 em Patos de Minas, lá no triângulo mineiro.

E – Como foi sua criação? Como era essa questão de família, cidade pequena?
JC - É, cidade pequena, bom, era pequena, hoje é grande, mas era pequena, a gente morava num bairro simples, nossa família era simples. Fiz o primário, secundário, todos ali, e era periferia da cidade hoje é quase centro da cidade, então mudou muito, a gente brincava ali tranqüilo, não tinha muitos veículos na rua.

E – Você tem irmãos? Quantos?
JC - Eu tenho um irmão e uma irmã.

E – Na época do ginásio, na escola, qual conteúdo lhe atraía mais?
JC - Sempre foi ciência de um modo geral, era ciências então tinha muito pendência pra Biologia, Matemática... Português era o que eu tinha mais dificuldade.

E – Dos seus irmãos, todos seguiram carreira acadêmica?
JC - Todos. Meu irmão é Advogado, minha irmã é nutricionista da Emater.

E – E seus pais, incentivavam os estudos?
JC - Sim, demais. Meu pai, por exemplo, quando eu vim à Viçosa, quando eu nem sabia de Viçosa meu pai veio comigo. Eu tinha... Foi em 60? Eu tava com 16 anos, já veio aqui comigo. Eu fiz o Agrotécnico antes de estudar agronomia, correspondente ao científico eu já fiz aqui.

E – Em quê o senhor se Graduou?
JC - Agronomia.

E – Por que agronomia?
JC - Na realidade foi mais falta de opções né? Porque era família pobre, não tinha outras opções e um agrônomo que morava lá em patos me ofereceu uma bolsa de estudos aqui no Agrotécnico. Aí eu atravessei o estado quase todo pra fazer esse curso aqui.

E – Por que a UFV? Foi por causa dessa bolsa?
JC - Foi por causa da bolsa, infelizmente foi, não foi por causa do nome, naquela época não tinha tanto nome assim né? Foi mais por causa da opção, da oportunidade.

E – Você trabalhava antes de vir pra cá?
JC - Não, estava terminando o Ginásio.

E – Veio direto?
JC - Vim direto. Pra fazer o Agrotécnico né, não pra fazer agronomia. Vim novo.

E – Qual a distância daqui até lá?
JC - São 620 quilômetros.

E – E com a distância, como ficou a relação familiar?
JC - Ficou boa, sempre vou lá, sempre ia nas férias, e ainda vou até hoje. Duas vezes por ano, nas férias. No mínimo né, às vezes vou mais, três, quatro...

E – E como foi a adaptação à viçosa?
JC - Olha, foi bem estranha. A cidade totalmente diferente da minha lá, aqui tinha montanha, lá é tudo plano. Mas eu me adaptei logo, encontrei alguns amigos aí, que vinham da mesma região, nós formamos uma república, aí eu me adaptei.

E – Sobre sua pós, como foi a trajetória depois da sua graduação?
JC - Depois da graduação tinha três opções pra seguir, não era como hoje. Uma era a EMATER, outra era Economia Rural e outra era a UFV. Eu já tinha feito estágio, e em fevereiro de 77, eu formei em 76, a universidade me convidou pra ser professor. Era diferente de hoje né? Eu fui convidado pra entrar no departamento de química.

E – Na época existia concurso ou era só na base de convite?
JC - Era mais convite. Por causa das notas né? O conceito era muito importante. E como eu passei em primeiro lugar, formei em primeiro lugar eles me convidaram. Um mês depois de formado eu estava trabalhando aqui.

E – Você trabalhou com alguma pesquisa?
JC - No início? Trabalhei, pesquisa em química, análise de substâncias, mas principalmente eu gostei muito da análise de vitamina C. Então eu comecei a trabalhar com determinação de vitamina C em citrus, em pimentões e tomates.

E – E na pós-graduação?
JC - Na química eu resolvi fazer pós-graduação, a pós-graduação que tinha, não tinha a química [na UFV]. Era Fisiologia Vegetal aí eu passei a gostar mais de Fisiologia Vegetal e me transferi pra biologia. Fiz mestrado aqui em viçosa, depois fui fazer doutorado nos Estados Unidos.

E – Fez o mestrado aqui?
JC - Sim. Enquanto trabalhava em química, eu era professor e fazia o mestrado.

E – O senhor desenvolveu alguma pesquisa no mestrado?
JC - Sim, desenvolvi. Uma pesquisa sobre avaliação de níveis nutricionais por um método chamado método rápido. Você extrai a seiva, faz um teste num papel de filtro e você tem uma idéia da nutrição da planta. Se chama teste químico rápido, você extrai o suco da folha, prepara o papel, bota o reagente num papel de filtro certo, fica aquela mancha, depois você coloca uma gotinha de suco da planta e você detecta a necessidade nutricional dela.

E – Você se sentia realizado com essa pesquisa?
JC - O problema é a rapidez das coisas né? Nem bem terminei o mestrado já fui pros Estados Unidos. Por exemplo, eu defendi tese no dia 15 de julho, em primeiro de agosto já tava viajando.

E – Nessa época de pós-graduação e mestrado, qual era o contexto da UFV? Como era essa época em que você estudava aqui?
JC - Era uma universidade estadual, se chamava UREMG [Universidade Rural do Estado de Minas Gerais – UREMG], e tinha cerca de 300 e poucos alunos, era pequena.

E – Apenas 300 alunos?
JC - Era, mais ou menos. Minha turma era de 90 alunos, era a maior turma, se considerarmos quatro turmas, dava uns trezentos e poucos, no máximo 400 alunos. Bem tinha ainda a Ciência Doméstica, no máximo 500 alunos. Os edifícios se resumiam ao Artur Bernardes, o prédio da química e os alojamentos, praticamente. Aqui tudo era campo de horticultura de oleicultura, tudo campo prático.

E – Qual era o seu objetivo quando o senhor entrou no mestrado?
JC - Adquirir mais conhecimento. Eu vi que o que eu tinha adquirido na agronomia era insuficiente. Faz parte das idéias que eu tinha em termos de pesquisa. Naquela época o contexto da química era outro, então não tinha muito a possibilidade de realizar pesquisas de química pura. Então a gente fazer era uma química biológica, como essas análises que eu falei, análise de vitamina C em frutas, essas coisas.

E – Você falou da química, que trabalhava nos laboratórios. Como era a infra-estrutura na época?
JC - Era bem fraca. Equipamentos bem simples, no máximo um espectrofotômetro, balança analítica não digital, mas aquela manual que você tem que colocar os pesinhos, balança de dois pratos, você vai colocando os pesinhos de um lado e tem que ajustar.

E – Você foi para os EUA. Como foi o retorno? Como você voltou? O senhor foi apenas pra fazer o Doutorado?
JC - Foi, foi só. Eu fiquei meio frustrado né? Porque eu não tinha os equipamentos que eu tinha lá. Eu precisava muito de uma centrífuga e não consegui comprá-la, porque é caríssimo. Aqui na UFV ainda é fraco nisso até hoje, existem poucas outras centrífugas por aqui, 3, 4 no máximo.

E – Foi um choque essa questão da diferença entre a estrutura de lá e a daqui?
JC - Foi um choque, eu tive que me adaptar. Estava trabalhando com membranas e passei pra outra área, toxidez de alumínio, por falta de equipamento.

E – Depois do seu retorno, continuou como professor?
JC - Sim, mas quando eu voltei eu já voltei em outro departamento. Já voltei na biologia, no setor de biofísica. Porque os professores com os quais eu trabalhava na química, enquanto eu estava pros Estados Unidos, resolveram acompanhar um professor na época que veio com a biologia pra cá, então eles criaram a Biofísica. Devido a esse negócio de contato então eu optei por vir também. Quando eu vim eu já voltei pro prédio da química já vim fazer estágio aqui.

E – Nessa área de biofísica como era o trabalho como professor, como eram as turmas?
JC - Biofísica sempre foi uma disciplina complicada. Se bem que a química também era, eu dava aulas de química, e era terrível né? Os alunos nem sempre conseguiam acompanhar, então era muita nota ruim, muita choradeira, etc. E era a mesma coisa na biofísica, é um assunto bem profundo, que nem todos os alunos conseguem acompanhar. Acho que isso continua até hoje, embora já há bastante anos que eu não leciono mais biofísica, eu acompanho o professor Juraci, e é uma dificuldade tremenda pra conseguir levar esse pessoal. Geralmente 30 a 40% ficam, tem que melhorar isso.

E – Na época da graduação, você disse que eram 90 alunos mais ou menos na agronomia. E depois?  Após o retorno dos Estados Unidos, na biofísica, como eram as turmas? Quantos alunos havia?
JC - Na verdade eu saí da agronomia, não dava mais aulas de agronomia, fui dar aulas de biofísica e Fisiologia Vegetal, são turmas muito menos. Na Fisiologia Vegetal já tinha muitos estudantes, umas três turmas de 100 mais ou menos. Porque foi nessa época que ocorreu a federalização, então ocorreu um surto de crescimento muito grande.

E – Voltando um pouco, na sua época de mestrado, quantos alunos eram? Como era o tamanho das turmas de mestrado?
JC - Eu não me lembro bem, mas na minha turma, do pessoal que trabalhava próximo a mim, não passavam de 10 estudantes. 10, 15 estudantes no máximo. Isso já ampliou e hoje tem 70, 80, já é bem maior.

E – Onde as aulas eram ministradas naquela época?
JC - Aqui mesmo na biologia. O prédio aqui, o Chotaro Shimoya a Biologia 1, então tinha vários setores que colaboravam, tinha a biofísica, tinha a Fisiologia Vegetal, a microbiologia, todas as aulas eram aqui, inclusive as aulas práticas.

E – Como aconteciam as orientações na sua época de mestrado? O processo era muito diferente do de hoje?
JC - As turmas eram basicamente a mesma coisa. Se bem que sempre tem professores que acompanham bem e outros que te dão um título do trabalho e você tem que fazer praticamente sozinho. Continua a mesma cosia. Tem orientador que não ajuda muito o estudante.

E – Como era a relação professor aluno? Era apenas professor-aluno ou havia um diálogo maior?
JC - Sempre teve diálogo, aqui na biologia sempre teve, com exceções. Por exemplo, estudante meu orientado vem aqui a hora que quer, não tem horário marcado, deu o problema ele vem cá na hora e eu vejo se ele está, se precisa de mais ou menos.

E – Quanto ao tempo, quantos anos levaram o seu mestrado?
JC - O meu mestrado foi lento, porque eu era professor também. Então ele levou uns três anos e meio.
E – E o doutorado lá nos Estados Unidos?
Três anos e meio também. Por que no mestrado eu tinha que atender as aulas também, então eu pegava menos créditos. Depois a pesquisa também não ocorreu como eu esperava, então, três anos e meio.

E – Essa questão de trabalhar e estudar era um empecilho muito grande?
JC - Dava pra levar tranquilamente, o problema foi o tema que o orientador sugeriu que a maior parte eu descobri que era impraticável, que não dava pra fazer aquilo. Então, ele também não sabia, daí eu gastei muito tempo pesquisando sozinho. Como disse, teste químico rápido alguma coisa tem que ser muito sensível, e você pega a seiva e já faz. Lógico que a gente não faz assim normalmente, então o nutriente tem que estar na seiva em uma concentração razoável pra ele reagir. Ele já tinha visto nos Estados Unidos um teste pra NPK(Nitrogênio, Fósforo e Potássio) que são macronutrientes, e ele queria que eu desenvolvesse pra micronutrientes. O problema é que os minerais a nível micro quase todas às vezes estão ligados a compostos orgânicos na seiva, então ele não troca pelo reagente que tá no papel, então não detecta. E ele me deu idéia de testar quatro elementos, eu fiquei testando, testando, e nada dava certo, não tinha sensibilidade. Aí eu achei pra um, que foi o zinco que me salvou senão eu ia ficar perdendo tempo com pesquisa aí. Eu não tinha experiência nessa área. Eu fui À biblioteca e pesquisei tudo quanto é técnica que existia, uma reação tem que ser sensível e específica, é muito complicado.

E – O senhor pode contar pra gente um fato ou um acontecimento marcante da sua época de pós?
JC - Como aluno ou como professor?
E – Como aluno.
JC - Uma coisa que mais me marcou foi lá nos Estados Unidos, eu estava trabalhando com um dos pesquisadores mais famosos lá na época, já estava quase no final, na época de voltar. E eu estava numa fronteira de conhecimento muito avançado, faltava pouquinha coisa pra que eu conseguisse fazer uma descoberta inovativa, e ele me convidou pra ficar mais um ano. E eu fiz a péssima escolha de voltar (risos). Eu fiz o pós-doutorado com ele, mas precisei voltar e me arrependo disso, porque eu estava conseguindo algumas coisas fantásticas. A universidade iria permitir, porque só tinha três anos e meio lá e eu já tinha terminado o doutorado. Então eu podia fazer que tava fazendo o doutorado e fazer o pós-dourado, mas eu preferi voltar.

E – Deu saudade de casa?
JC -  È, e minha mãe estava com problema de coração, então meus irmãos mandavam carta dizendo assim que “olha quando você voltar você talvez não vá encontrar sua mãe”. E ela ta firme até hoje, mas eu apressei né e ás vezes eu me arrependo disso.

E – O senhor chegou a ministrar aulas pra alunos na pós-graduação? Você ministra aulas na pós-graduação?
Sim, até hoje.
E – Há quanto tempo?
JC - Que eu aposentei tem 17 anos estou aqui como professor voluntário. Continuo dando aulas até hoje. Metabolismo Mineral de Plantas, Métodos Analíticos em Biologia e auxilio nas disciplinas: Fisiologia Vegetal I e Laboratório em Fisiologia Vegetal I.

E – Desde quando o senhor dá aulas para alunos de pós?
JC - Desde 1976, quando voltei dos Estados Unidos. Já voltei dando aulas de pós-graduação.

E – Como é que fica o contexto, como professor, de 76 pra cá?
JC - Parecido, só que agora nós temos mais equipamentos, muito mais equipamentos. Então estamos fazendo pesquisas cada vez mais aprofundadas.

E – A federalização aconteceu quando?
JC - Não me lembro exatamente, mas foi entre 70 e 72.

E – Quando o senhor começou na pós-graduação já era federal?
JC - Não, eu já estava terminando minha pós-graduação no mestrado. Eu entrei na universidade em 67, 72 eu já estava terminando, foi mais ou menos nessa época. Em 72 eu terminei e já fui pros Estados Unidos, voltei em 76, quando voltei já estava federalizado.

E – Quantos trabalhos o senhor já orientou?
JC - Tá entre 30 e 40 trabalhos.

E – O senhor lembra o assunto da primeira tese que orientou?
JC - Foi um pesquisador da Embrapa, era doenças do alumínio sobre absorção de minerais por plantas de sorgo.

E – Sorgo?
JC - Um parente do milho, uma gramínea. É utilizado como forrageira, é adicionado a alimentos, assim como o milho, mas não é muito comum aqui na região.

E – Qual a relevância desse assunto pra UFV e pra sociedade?
JC - Então eu vou falar do assunto toxidez de alumínio, não é o sorgo em si, é a toxidez de alumínio. A minha busca sempre cai em esclarecer o mecanismo de toxidez de alumínio que é um baita de um problema pro Brasil, porque quase todos os solos são ácidos, principalmente no cerrado. Sendo ácido libera alumínio em níveis tóxicos, e aí a questão é como solucionar este problema, como conhecer o mecanismo de toxidez pra solucionar, pra melhorar plantas pra serem tolerantes ao alumínio. Este é um assunto de interesse nacional, não só de minas, mas nacional. A quantidade de trabalhos que é publicada todo ano acerca do alumínio é impressionante, no mundo inteiro, não só no Brasil. No mundo inteiro estão atrás de um mecanismo de tolerância das plantas ao alumínio.

E – Esse mecanismo auxiliaria em quê?
JC - O alumínio tira de 30 a 50% da produtividade de plantas medianas. O pessoal gasta toneladas e toneladas, milhões e milhões de reais de calcário, só pra aplicar calcário pra não deixar que o solo fique ácido.

E – Nessa questão da toxidade de alumínio, o senhor trabalha com isso?
JC - Trabalho, até hoje.

E – Essa primeira tese que orientou, quando foi?
JC - Acho que foi 1980, já estava concluída em 1980. Eu cheguei dos Estados Unidos em 76, logo eu não tive estudantes, mais uns dois anos, foi em 78. A orientação terminou em 78, mas o artigo publicado já saiu em 80.

E – Como foi posteriormente o desenvolvimento dessa linha de pesquisa na UFV e no Brasil?
JC - Ela continua aqui, já foi trabalhada por outros departamentos, principalmente a questão de seleção de cultivares tolerantes de alumínio lá na fitotecnia, vários pesquisadores trabalharam com isso. O Brasil inteiro ta trabalhando, o instituto agrônomo de campinas, também trabalha nessa área, piracicaba, ESALQ, a universidade estadual de campinas, a EMBRAPA. A EMBRAPA trabalha sempre com esse assunto aí, principalmente a Embrapa Cerrado, lá os níveis de alumínio são muito elevados.

E – Esse tipo de pesquisa foi muito importante para a agricultura no cerrado?
JC - Foi, principalmente para a solução do problema. Inicialmente, e permanece até hoje, a pesquisa é sobre como resolver o problema aplicando calcário. O calcário reduz a toxidez do alumínio nas camadas mais superficiais, não resolve o problema totalmente, mas para aquelas plantas que usam a camada superficial do solo, praticamente resolve o problema. Então hoje a pesquisa está no sentido de modificações para que as plantas sejam tolerantes ao alumínio.

E – Já foi para um lado mais de genética?
JC - De genética. Estão descobrindo quais são os genes que controlam a tolerância ou sensibilidade ao alumínio e tentando esses genes para poderem ser tolerantes e não precisar gastar com calcário.

E – Seus objetivos e perspectivas mudaram alguma coisa desde o início do trabalho nessa linha?
JC - Não. Quando eu cheguei tinha a opção de trabalhar com membranas celulares, aí como não tinha os equipamentos eu entrei nessa área, que parece que não tem fim, vai ser difícil alguém descobrir esse mecanismo, e vai gastar muita pesquisa ainda. Então eu fiquei nela porque é um assunto muito interessante e que ainda vai demandar muitos pesquisadores daqui pra frente. Então não tem razão pra mudar, ficar mudando pra baixo e pra cima, mudando tema a todo o momento, não acho interessante.
Eu mudei um pouquinho, porque era só alumínio, depois eu fiz algumas teses na área de salinidade, e outra de metais pesados. Então na realidade hoje eu não trabalho só com tolerância ao alumínio, trabalho com fisiologia de stress em plantas. E a fisiologia de stress abrange vários stresses, tem o salino, tem o hídrico, tem os metais pesados tem o de alumínio, etc. Então tive várias teses, toxidez de ferro, de sais, de salinidade, metais pesados, cádmio, tudo isso ta no mesmo contexto de fisiologia de stress, que é aquela condição abiótica que prejudica o desenvolvimento das plantas.

E – Sobre sua carreira profissional, o senhor começou mesmo como professor aqui?
JC - Como professor convidado, cinco anos depois fiz concurso pra professor assistente, quando eu voltei dos Estados Unidos fui elevado a adjunto e alguns anos depois prestei concurso pra professor titula.

E – Professor adjunto? O que é?
JC - Não sei explicar bem o que é, mas a carreira tinha quatro níveis de qualificação: Tinha o professor iniciante, depois vinha o assistente, depois vinha o adjunto, que era o intermediário entre assistente e titular e por fim o titular.

E – Como foi sua carreira como professor?
JC - A carreira universitária é bem definida, você vai galgando aos poucos, tem a experiência, o número de trabalhos publicados, os cursos que você vai fazendo e vai levando naturalmente. É um crescimento quase que natural, você só vai recebendo os títulos assim. Depois que você tem X trabalhos publicados, com tantos anos de trabalho, você então tem a chance de ser professor adjunto. Mais isso, mais aquilo aí você vai concorrer à titularidade.

E – O senhor deu aulas durante toda a sua vida? No mestrado, doutorado, até lá nos Estados Unidos?
JC - Não, lá não. Lá eu era estudante. Fiz palestra lá, mas eram apenas seminários, dar aula não.

E – O senhor começou a dar aulas como convite, e foi crescendo depois, quais as disciplinas que você leciona hoje e lecionava?
JC - Comecei com Química Geral para Coluni e Química Geral pra cursos de graduação, depois passei pra Química Analítica, Química Analítica Qualitativa e Quantitativa, nos primeiros cinco anos. E voltei dando aulas de Biofísica, Biologia Celular, Métodos Analíticos em Biologia e Fisiologia Vegetal. Atualmente leciono Metabolismo Mineral de Plantas, que foi uma disciplina que eu criei quando voltei dos Estados Unidos. Métodos Analíticos em Biologia, depois tem Fisiologia Vegetal I e Laboratório de Fisiologia Vegetal I.

E – Quais são as lembranças que o senhor teve do seu primeiro dia como professor?
JC - Foi meio complicado. Por que eu saí da graduação, tinha terminado e fui convidado e colocado pra dar aula sem me darem qualquer explicação: “dá essa aula aqui”. É meio complicado.

E – Como assim? “Vai lá e se vira”?
JC - È, os colegas não ajudaram, os primeiros anos foram um pouco complicados. Os colegas não orientavam muito não, deixavam a gente se virar.

E – Você lembra-se dos seus primeiros alunos? Como foi esse primeiro contato com os alunos?
JC - Não, não lembro, só lembro de um que era mais amigo, eu já conhecia, os demais se perderam com o tempo. Isso é até estranho, porque é difícil pra você guardar na memória os alunos, porque os alunos jovens eles mudam demais. Então é até estranho pra mim às vezes eu saio e vou pra Guarapari e outros lugares aí e eles me conhecem, eu não mudei muito. Aí eles falam assim e eu converso com eles como se tivesse lembrando deles, mas eu não sei quem é. Uma vez eu encontrei com um camarada num restaurante lá no estado de Goiás, e eu olhei assim e pensei “acho que eu tô conhecendo aqueles camaradas lá”, e minha esposa “vai falar com eles então!”, e eu fiquei com medo de dar um fora. Depois acabou que a gente se encontrou e eu descobri que eram meus colegas de turma, eles também não estavam me reconhecendo. Eu tinha passado quatro anos com eles mas eles estavam bem modificados, o tempo passa né?

E – Nestes 50 anos de pós, como você avalia a trajetória de pesquisa na UFV e no Brasil?
JC - Olha, eu vejo com bons olhos esse desenvolvimento da pesquisa no Brasil. Está evoluindo rapidamente, graças a técnicas e equipamentos que estamos recebendo, a pós graduação que todos praticamente estamos conseguindo fazer. Mas eu acho que ainda estamos bem distante dos países desenvolvidos, o máximo que estamos conseguindo é seguir os passos deles. Pouca gente tem feito pesquisa de ponta no Brasil, muito pouca gente. A gente tem feito uma mera repetição, Às vezes evolui pouquinha coisa, mas é muito pouca coisa. A gente vai querer comprar um equipamento, não tem jeito, um equipamento mais sofisticado então, não tem jeito. Pra comprar uma centrífuga, a centrífuga que custa 10, 12 mil dólares, consegue, mas comprar uma outra centrífuga que custa 200 mil dólares a gente não consegue. É muito difícil, tem que formar um grupo grande pra conseguir isso aí. Igual o Bioagro consegue, ás vezes a Fisiologia Vegetal quando se une toda consegue um equipamento melhor, mas é muito complicado. Acho que o governo deveria passar mais dinheiro pra conseguir equipamentos sofisticados, não equipamentos simples como os que a gente tem. Isso dificulta muito, apesar de termos hoje a FAPEMIG e o CNPQ que concedem auxílios, mas ainda é pequeno. Se aprovar um projeto o máximo que se consegue é uns 50 mil reais.

E – A dificuldade de financiamento é muito grande?
JC - É. Se você quiser comprar um equipamento maior tem que formar um grupo, mas grande mesmo, e é complicado. Não é fácil não.

E – Como você se sente fazendo parte de um programa de pós-graduação que ta completando 50 anos?
JC - Orgulhoso disso. Vejo que melhorou muito, as teses hoje estão muito mais avançadas que no início, então realmente tá avançando. A Fisiologia Vegetal hoje está caminhando pra biologia molecular, estamos conseguindo os equipamentos aqui e ali e estamos fazendo pesquisas cada vez mais competitivas, comparado ao mundo. Ainda estamos bem atrás, mas estamos avançando. Então eu me sinto orgulhoso de fazer parte desse grupo, um grupo que teve pessoas importantíssimas trabalhando nisso aí, professor Laércio, professor Renato. E nós não deixamos a peteca cair, estamos melhorando cada vez mais, a Fisiologia Vegetal era conceito cinco, depois foi pra seis e agora ta com sete, que é o topo. A melhor pós graduação em Fisiologia Vegetal do Brasil é a nossa, então a gente se sente orgulhoso pelo grupo.

E – Pra encerrar, o quê significa pra você que está aqui desde que virou feral, na verdade um pouco antes, fazer parte da história da UFV?
JC - Novamente, orgulhoso disso, de ter feito parte desse serviço tão grande. Da UFV no início, fiz parte da federalização e foi muito importante, etc. Me sinto aqui como parte da Universidade, cresci com a universidade. Até 70 era uma universidade rural, a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, dali pra frente acompanhei tudo, fiz parte desse processo todo e fico muito orgulhoso dessa oportunidade que eu tive.

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